Chamem os bombeiros! Pegou fogo na cerveja!


Sirenes ligadas, luzes vermelhas refletindo pelas paredes, mangueiras cuspindo água: pegou fogo na cervejaria! Em questão de algumas horas o fogo é controlado mas, a produção de cerveja foi quase toda salva!

Este parágrafo tentou descrever com precisão como poderia ter sido o cenário para o surgimento de um estilo de cerveja originário de Bamberg, na Alemanha: a Rauchbier. Tudo bem que na época não haviam bombeiros na forma em que o texto nos leva a imaginar. Porém, diz a lenda que foi por conta de um incêndio onde tudo começou - rauch em alemão quer dizer fumaça. A história é mais os menos assim: havia uma cervejaria que após um incêndio teve uma parte de seu estoque de malte consumido pelo fogo e outra apenas “sapecada” pelas labaredas. O cervejeiro, contudo, para aliviar o prejuízo, resolveu fabricar a cerveja mesmo assim, utilizando o malte “sapecado” que, na realidade, havia apenas ficado exposto à fumaça. Para a surpresa dele, e nossa também, o produto teve uma ótima aceitação, tornando o processo de defumação do malte um padrão adotado naquela região.

Histórias à parte, a verdade mesmo parece ser um pouco diferente do infeliz feliz cervejeiro. Durante o inverno era mais difícil secar o malte por conta da ausência de luz solar. Então, o que se fazia era aquecer o malte utilizando lenha em um forno aberto. Com a industrialização, os fornos à lenha foram gradativamente sendo substituídos pelos industriais, sem fumaça (rauchfrei), mas a tradição ainda mantém-se viva, mesmo que em poucas cervejarias como, por exemplo, a Schlenkerla (da foto acima).

Já que estamos falando de “causos” do mundo cervejeiro, o próprio nome Schlenkerla tem algo interessante a nos dizer. Na realidade, é o nome de uma taverna localizada no centro histórico de Bamberg cujas origens vêm no ano de 1493. Um de seus donos tinha uma forma estranha de andar, uma parte devido a um acidente e outra, alguns dizem, pelo próprio habito de tomar umas a mais. Esta forma de andar de maneira sinuosa é chamada de “Schlenker” e o “la” é apenas um diminutivo. Então podemos traduzir “Schlenlerla” por: ”aquele que, por acidente ou por tomar umas a mais não consegue andar em linha reta” (veja como a língua alemã é simples). Não demorou muito para a população associar o nome “Schlenlerla” ao comércio do cambaleante homem.

Então cuidado da próxima vez que você ficar Schlenkerla para não colocar fogo na cerveja!

Os monges também bebem


Responda: quanto valeria o livro com a história da Chapeuzinho Vermelho? Bom, se comprado em algum sebo empoeirado do centro de São Paulo talvez alguns poucos reais. Nas livrarias especializadas, quem sabe, um pouco mais, afinal são ambientes iluminados, com carpete novinho, cheiro agradável... Agora, imagine quanto valeria o mesmo livro, só que escrito de próprio punho por ninguém menos do que a própria Chapeuzinho Vermelho. A história seria a mesma mas, pela exclusividade do livro imagine quanto valeria!

São as formas de se agregar valor aos produtos que, muitas vezes, os valorizam. Para a Westvleteren, esta cerveja trapista com um nome de difícil pronúncia, talvez seja o mesmo caso, apesar de ter sido (ou ainda ser) considerada a melhor cerveja do mundo. Para quem não conhece, as cervejas do tipo Trapista têm este nome por serem produzidas em monastérios comandados por monges... trapistas. O nome (na verdade, "Ordem Cisterciense da Estrita Observância") não tem nada a ver com "trapo" mas sim está associado ao mosteiro de Nôtre-Dame de la Trappe, que foi o primeiro mosteiro a aderir à nova ordem.

Alguns fatos interessante sobre a vida dos trapistas: eles fazem um voto de silêncio, vivem para orar e trabalhar, passam praticamente toda a vida em um único mosteiro mas... existe ao menos uma grande compensação: podem beber (não sei como conseguem beber e manter o voto de silêncio). Sendo assim, produzem cervejas consideradas entre as melhores do mundo, tanto para consumo interno quanto para a venda.

O termo "Cerveja Trapista" é uma denominação internacional e, atualmente, poucos lugares podem produzir tais cervejas. Bélgica, Holanda e França são, basicamente, os únicos países onde existem monastérios que seguem esta tradição e têm o direito, portanto, de imprimir em seus rótulos o termo Trapista.

Sobre Westvlereten, ela é produzida na Bélgica, especificamente no monastério de Sixtus e leva o nome da cidade vizinha a ele: Westvlet. Mas não pense que é só chegar até a Bélgica, tomar um táxi e seguir até lá para tomar a sua cerveja. Primeiro, o monastério fica em um local de não muito fácil acesso. Segundo porque, devido à grande procura do produto os monges limitam a quantidade de venda diária. Sendo assim, você pode muito bem chegar lá e ter a grata surpresa de que a cerveja simplesmente acabou! Para evitar este tipo de constrangimento é aconselhável agendar a sua visita com antecedência (mas nada parede ser muito garantido!).

Portanto, não é uma cerveja que será facilmente encontrada no supermercado ou padaria. Basicamente, a única forma de conseguir alguma unidade é indo até a fonte ou pedindo para algum conhecido trazer (apesar que pode-se comprar apenas algumas unidades por pessoa).

Sendo assim, quem sabe um dia encaro de comprar e, obviamente, abrir uma dessas. Só assim poderei saber se o final da história é realmente mais bonito!

Cerveja de vinho?


Já comprovou a física que existem coisas que realmente não se misturam. No campo das bebidas também sabemos que isso é um fenômeno já observado. Muitas vezes não por conta da diferença de densidade dos líquidos mas pelo estranho (ou bizarro) resultado. Quem nunca viu ou até mesmo provou uma tal cerveja de vinho? Na realidade, uma mistura de vinho e cerveja já engarrafados? Aparentemente seria o melhor de dois mundos: vinho e cerveja, juntos!

Porém, tudo na vida das misturas tem um limite. Lembro-me de um ditado francês que dizia: "Misture uma colher do melhor vinho em um barril de água de esgoto e terás um barril de água de esgoto. Agora, misture uma colher de água de esgoto em um barril do melhor vinho e terás....... um barril de água de esgoto!". Em resumo: não misture nada além de vinho no vinho! Já a cerveja admite, e isso é muito legal, maiores possibilidades.

Deixando a confusão filosófica para outro dia, existe sim um estilo de cerveja chamado Barley Wine (livremente traduzido aqui por vinho de cevada).

O termo foi utilizado pela primeira vez para descrever, em 1903, uma cerveja inglesa chamada Bass No. 1, da cervejaria Bass, fundada em 1777 por William Bass. Porém, muita atenção agora: para dirimir quaisquer dúvidas a respeito as barley wine não são cervejas que levam vinho em sua composição! Na realidade, a única semelhança é que, devido ao seu alto teor alcoólico, as Barley Wine podem ser guardadas por anos até atingirem a sua plenitude. A cerveja da foto acima, por exemplo, não conseguiu esperar o tempo devido. Também pudera, não serão mais produzidas! Então era abrir ou largar. Bom, enfim, voltando ao tema das Barley Wines, elas são feitas de um único tipo de malte, o Pale Ale. A quantidade de malte também é expressiva no processo fabril: o dobro de uma Pale Ale normal e duas vezes e meia de uma Pilsen. Este estilo também requer uma dose extra de lúpulo para balancear as coisas e atinge facilmente os 100 IBUs!!! Então, somente o tempo para aparar as arestas de tanta potência!

Bom, é melhor ficar esperto com as Barley. São muito aromáticas e muito agradáveis ao paladar. Mas aí é onde mora o perigo, pois, o teor alcoólico deste estilo de cerveja não pode ficar abaixo de 10%.

Eita cerveja amarga!



As crianças de hoje não têm o que reclamar quanto aos remédios amargos. Outro dia, por curiosidade, provei um desses xaropes e, que surpresa: era doce, até agradável ao paladar. Na minha época era diferente, pois eu preferia levar duas injeções do que tomar remédio oral por duas semanas, de tão amargo que era!

Como o tempo inverte as coisas. Analisando as minhas cervejas preferidas, constato que hoje, prefiro as mais amargas. De fato, quanto mais amarga, melhor. Mas o que será que tem na cerveja que a faz mais ou menos amarga?

A resposta é uma planta, da família do Cannabaceae (para quem lembrou de Canabis, não é coincidência) com nome de coisas de Harry Poter: a Humulus lupulus, ou, simplesmente: lúpulo (em inglês Hop).

Originalmente, o lúpulo era adicionado à cerveja no processo de fabricação pois os seus ácidos possuem características antibióticas e antibactericida. Então, quando incluído antes do processo de fermentação, matava os concorrentes da levedura e deixava para elas o caminho todo livre para consumir o açúcar e transformá-lo em álcool. Pode também ser adicionado posteriormente à fermentação, em um processo chamado "dry hopping". Foi muito utilizado no transporte de cerveja, principalmente da Inglaterra para a Índia.

Em seu uso antes da fermentação, o lúpulo é adicionado quando o mosto é cozido e, quanto mais tempo ele ferve, mais libera o seu óleo amargo. Este processo de chama lupulagem.

Ainda sobre amargor, existe uma medida chamada Internation Bitterness Unit (IBU). Quanto maior o IBU, mais amarga é a cerveja. Pode reparar quanto tomar a próxima!

O primeiro lugar em que se tem notícia onde o lúpulo foi cultivado é Hallertau, na Baviera há muito tempo atrás. Apesar disso, atualmente não são muitos os países produtores: França, Bélgica, Inglaterra, República Tcheca, Estados Unidos, entre poucos outros. No Brasil não existe produção ainda (existe uma tímida iniciativa em andamento na região de SC) e, por isso, quando vejo propaganda de cerveja que diz utilizar lúpulo importado eu morro de rir.


Come on beer light my fire

Não tenho nenhum preconceito contra tomar uma, ou algumas, das ditas cervejas de massa. Não, não! Não quero dizer aqui massa no sentido de massa de pizza ou pão, mas me refiro a algo produzido em grande volume, popular.
Quando o que importa é mais a quantidade do que a qualidade, nada melhor do que uma cerveja mais “light”, isto é, bem leve mesmo.
Outro dia descobri quem foi o pai da cerveja light para agradar as massas: Joseph Owades.
Doutor em bioquímica, Owades desenvolveu um processo para reduzir a presença do amido durante a produção da cerveja . Com isso, conseguiu reduzir o álcool (proveniente do amido que se transforma em açúcar e que depois é consumido pela levedura para virar álcool), as calorias e carboidratos, criando assim, uma cerveja bem mais leve.
O que motivou a sua pesquisa foi algo muito interessante. Ele dizia que, sempre ao perguntar a uma pessoa por que ela não gostava de cerveja ouvia como resposta: porque o gosto é ruim e porque engorda. Como o primeiro problema era caso perdido, ele resolveu melhorar o segundo aspecto desfavorável, reduzindo as calorias.
Ele foi um nome importante no mundo da cerveja, principalmente nos EUA, onde elaborou a cerveja Meister Brau Lite, da cervejaria Meister Brau (que foi posteriormente comprada pela Miller). Também auxiliou a elaborar cervejas junto à Samuel Adams, de Boston.
Para terminar, uma frase interessante, escrita certa vez por ele (aqui, em uma tradução livre):
Para fazer vinho não são necessárias as habilidades de um bioquímico. Quem faz vinho pega o líquido pré-embalado de pequeninas coisas chamadas uvas, do qual produzirá o vinho. Já o cervejeiro, primeiro cria o líquido, do qual ele fará a cerveja”.
Minha (também livre) interpretação: no vinho, a fermentação começa a partir do suco da fruta, enquanto que, na cerveja, é necessário criar o suco primeiro. Bom, deve ser isso!

Jack O'Lantern gostava dessas


Não sei se foi uma Pumpkin Ale que fez Jack O'Lantern perder a cabeça para o “coisa ruim”, mas tudo leva a crer que sim. Não, ele não era dono de uma cervejaria do século 18 que tornou-se famosa ou teve qualquer influência no mundo da cerveja, a não ser talvez por bebê-la em excesso. Jack O'Lantern é o nome Irlandês para o personagem Jack Cabeça de Abóbora, um beberrão que tornou-se uma lenda.

Em sua história original, curiosamente, não aparece nenhuma menção à abóbora. Ela entrou na jogada com a colonização Irlandesa da América pois, os Irlandeses costumavam, seguindo a lenda original, esculpir nabos para, dentro deles, colocar uma brasa que iluminava a escuridão da noite como uma lanterna. Era uma tradição que remetia aos tempos de Jack O'Lantern. Contudo, esculpir uma abóbora, abundante nos EUA, era muito mais fácil! Então, aquelas cabeças de abóbora que vemos por aí no Halloween surgiram das facilidades do mundo moderno dos vegetais.

Mas quem apostou na óbvia combinação do mundo capitalista contemporâneo de que abóbora mais cerveja é igual a lucros para o próximo Halloween está completamente enganado. Na realidade, as pumpkin ale tiveram origem nos Estados Unidos no início do século 18 e foram utilizadas até como uma espécie de tônico fortificante. Bom, para uma cerveja de abóbora, você deve estar imaginando que fazia sentido ter mesmo gosto de remédio.

Na realidade, o uso da abóbora foi uma alternativa para substituir o malte, necessário para a produção do álcool durante o processo de fermentação da cerveja. Isso porque o amido do malte vira açúcar que será transformado em álcool. A abóbora, já é doce, e, naquela época era facilmente cultivada em solo Americano. Então, perfeito! Ah, além de cerveja, a abóbora era utilizada para fazer quase de tudo: vinagre, torta, pão, etc...

Atualmente, as modernas pumpkins apenas incluem a abóbora para aromatizar a cerveja, mas utilizam malte normalmente e aproveitam o tema do Halloween como pano de fundo para impulsionar as vendas.

Com abóbora ou não, sempre a vale a pena uma nova experiência, contando que não te faça perder a cabeça!

Não Abandonarás a Carroça para Beber


Nos tempos atuais, beber e dirigir nem pensar! Ainda mais beber e dirigir durante o expediente. Mas nem sempre foi assim! Na época de Napoleão, por exemplo, era permitido beber e dirigir. Obviamente que não existiam automóveis naquele tempo: eram carroças ou carruagens. Porém, o mundo das leis trabalhistas e de trânsito não era tão livre quanto parecia, haviam certas regras. Uma delas dizia que não era permitido ao condutor descer de seu veículo durante o expediente. O duro é que os cocheiros adoravam parar durante o caminho para matar a sede bebendo uma boa cerveja. Então havia um dilema: ou arriscar-se a sofrer uma penalidade por abandonar a carroça ou beber enquanto guiava-se o veículo. Contudo, lembrando que as carroças não possuíam amortecedores e que as estradas eram bem acidentadas, o pobre cocheiro teria sorte se, após andar poucos metros, sobrasse mais do que um gole dentro do seu copo de cerveja. A cada buraco, lá se ia boa parte do precioso líquido!

Um cervejeiro da cidade de Dendermonde (Bélgica) possuía um pub chamado “De Hoorn”, onde recebia muitos cocheiros para matar a sede. Seu nome era Pauwel Kwak e, com seu tino comercial e criatividade, logo percebeu que poderia lucrar com a situação e inventou um copo esquisito, mais estreito ao meio, bojudo na parte inferior e com a boca larga. Ele era encaixado em um suporte de madeira fixo na carroça, que possuía uma espécie de mão que envolvia justamente a parte mais estreita do copo. Com isso, haviam dois ganhos: como a cerveja ficava acondicionada no bojo inferior e havia o estrangulamento logo acima, era menos provável que o líquido fosse lançado ao espaço por conta do movimento da carroça. Outro aspecto é que, também pela anatomia do tal copo, ele dificilmente se desprendia do suporte de madeira. Faça um teste: quando tiver a oportunidade de pegar um copo desses, pode balançar o suporte de madeira para cima e para baixo sem medo. Veja que o copo de vidro não cai. Bom, pelo menos tenha um dinheiro extra caso o copo não seja seu, claro!